Chega de torturar crianças com Mozart:
elas não ficarão mais inteligentes por ouvir o compositor. Confira a
detonação desse e de outros mitos sobre o cérebro humano.
Por Felipe Arruda em TecMundo
O cérebro humano ainda guarda muitos mistérios. Apesar de haver
evidências de que o estudo do sistema nervoso existe desde o Egito
Antigo, foi só com o surgimento do microscópio, em 1890, que as
pesquisas sobre o cérebro passaram a ser mais sofisticadas. Muitas das
descobertas que persistem ainda hoje no campo da neurociência foram
realizadas a partir de 1950.
As pesquisas atuais não cansam de nos surpreender. O neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis,
por exemplo, conseguiu “separar” a mente do corpo, fazendo com que as
ondas cerebrais de um macaco nos EUA controlassem um robô no Japão.
Mas mesmo com todo o avanço, ainda há muito que descobrirmos sobre o
cérebro humano. Por isso, é normal que alguns mitos sobre o
funcionamento desse órgão prevaleçam na cultura popular. Sendo assim, o
Tecmundo preparou uma lista com a detonação de cinco famosos equívocos
sobre o cérebro que são sempre repetidos por aí. Vamos a eles!
1. “Quem usa o lado esquerdo do cérebro é bom em matemática...”
É muito comum ouvir que pessoas bem organizadas ou com facilidade
para solucionar problemas lógicos são aquelas que “pensam” com a parte
esquerda do cérebro. Em compensação, as pessoas que tendem a usar mais o
lado direito são as que possuem mais vocação para a arte e trabalhos
que exigem criatividade.
Quem costumava usar isso como desculpa para justificar as notas
baixas em matemática agora vai ter que se desculpar. De acordo com a
médica e escritora Lisa Collier Cool,
esse mito surgiu nos anos de 1800, quando médicos descobriram que danos
causados em um lado do cérebro causavam a perda de habilidades
específicas. Entretanto, estudos recentes demonstram que os dois
hemisférios do cérebro estão mais ligados do que imaginávamos, sendo que
tanto a solução de problemas lógicos quanto a realização de trabalhos
criativos disparam atividades nos dois lados do órgão humano.
Outro fato que colaborou para o mito foi que o lado esquerdo do
cérebro controla o lado direito do corpo, e vice-versa. Apesar de ser
verdade, isso não explica o porquê de uma pessoa canhota ser muito
criativa ou alguém destro gostar de matemática. Em outras palavras:
todos estão aptos a serem habilidosos em ambas as áreas.
2. O cérebro é cinza
Sabe aqueles cérebros acinzentados e dentro de potes que costumamos ver em filmes e seriados de TV? Pois bem, eles existem, mas aquela não é a cor do órgão dentro de nossas cabeças. O cérebro se torna cinza por causa dos produtos químicos usados para a sua conservação, como o formaldeído.
Apesar de a famosa massa cinzenta existir em nosso cérebro, há também a massa branca, as áreas avermelhadas pela presença de vasos sanguíneos e uma região preta, que adquire essa coloração por causa da neuromelanina, pigmento encontrado também na pele e no cabelo humano.
3. Álcool mata as células do cérebro
(Fonte da imagem: Wikimedia Commons) |
Calma, antes de começar a beber todas, vamos à ciência por trás
disso. E nada como começar com uma ressalva: o álcool pode sim matar
células do seu cérebro, mas apenas se tiver 100% de pureza. Como as
bebidas legalizadas são vendidas com um teor alcóolico muito abaixo
disso, as chances de matar os seus neurônios são muito baixas.
De acordo com estudo realizado
em 1993 por Grethe Jensen, em vez de matar as células o álcool danifica
as terminações nervosas conhecidas como dendritos. Ou seja, apesar de a
célula em si não ser invalidada, a forma como ela se comunica com as
outras acaba prejudicada. E, diferentemente das drogas que atuam em
regiões específicas do cérebro, o álcool atua no órgão todo, podendo
causar um verdadeiro estrago em casos de abuso.
4. Usamos apenas 10% do nosso cérebro
Você já deve ter ouvido falar que o ser humano usa apenas 10% do
cérebro, certo? Pois bem, esse é um dos mitos mais populares e mais
fáceis de serem quebrados. Para refutá-lo, basta fazer a seguinte
pergunta: se isso é verdade, então para que servem os outros 90% do
órgão? E a culpa, desta vez, é da televisão, que não raramente é acusada
de estar emburrecendo os telespectadores.
De acordo com o site Snopes, especializado em desvendar hoaxes
e mitos, essa informação equivocada surgiu em um anúncio de revista, no
ano de 1998, que dizia: “Você usa apenas 11% do seu potencial”. Porém,
quando a emissora norte-americana ABC resolveu usar a frase em
propagandas para a série “The secret lives of men” , ela foi alterada
para “Homens usam apenas 10% do cérebro”.
Depois disso, não demorou muito até que especialistas em
paranormalidade assumissem que os outros 90% do cérebro guardavam
poderes psíquicos adormecidos, que podem ser reativados com o devido
treinamento. Até mesmo o famoso Uri Geller, na introdução de um de seus
livros, cita o fato.
Mas o fato é que isso não passa de bobagem. Lisa Collier Cool explica
que, por meio de tomografias e ressonâncias magnéticas é possível
constatar que atividades mentais complexas usam diversas áreas do
cérebro e, ao fim do dia, o cérebro todo acabou trabalhando. Outra prova
de que usamos muito mais do que os tais 10% é o fato de que uma lesão
no cérebro, por menor que seja, pode trazer danos irreparáveis ao seu
portador. Seria muito azar machucar justamente a porção funcional do
órgão.
5. Mozart e joguinhos aumentam seu QI
Não seria legal se pudéssemos ficar mais inteligentes ouvindo música
ou resolvendo exercícios de lógica? Nós também achamos. Há, inclusive,
games bem divertidos, como os da série Brain Ages, do Nintendo DS. Mas de acordo com uma pesquisa divulgada pelo site Physorg, esses títulos aumentam tanto o seu QI quanto Mario Bros. ou Tetris.
O estudo, que chegou a ser publicado pela conceituada revista Nature,
avaliou mais de 8,6 mil pessoas com idade entre 18 e 60 anos e que
jogaram esses games por, pelo menos, 10 minutos por dia e três vezes por
semana. Outra equipe, com mais de 2,7 mil participantes, deveria se
preparar apenas navegando na internet e respondendo a perguntas de
conhecimentos gerais.
Comparando os resultados coletados por meio de testes aplicados antes
e depois do treinamento, os pesquisadores não conseguiram detectar
melhora naqueles que se submeteram ao treinamento com partidas de video
game. Pelo contrário: aqueles que passaram o tempo navegando na web
tiveram um desempenho maior em algumas seções das provas.
A mesma coisa acontece com a música de Mozart. Apesar de ser boa e
de colaborar para o aumento de cultura do ouvinte, mesmo que seja um
bebê de 3 anos, não há respaldo científico
para a ideia de que as composições dele possam aumentar a inteligência
de alguém. Mesmo assim, existe toda uma indústria de CDs e produtos para
bebês que se sustenta em cima desse mito.
De qualquer forma, podemos afirmar sem medo: brincar com video games e
conhecer um pouco mais sobre música clássica não fará mal a ninguém,
certo?